29 julho 2007

eu ein!

Três dias, três pratos, três copos.

Há três dias venho seguindo, só, na casa do meu nascer. Há três dias passo de um cômodo ao outro por puro instinto, como se não fosse eu dentro do corpo flácido e molenga. Há três dias a poeira cai e as janelas fechadas exibem minha total falta de prazer pela luz morna do sol. São três dias e três pratos e três copos que jazem na pia, das três refeições que fiz.

26 julho 2007

shall we dance?


"Dance with me" by Nouvelle Vague

20 julho 2007

quero, faço (nada)

Se inveja matasse, eu agora não estaria escrevendo esse texto. De repente a lança amarga atravessou meu peito. Diparada de longe, das coisas que teimo em gostar e persistem em fugir de mim. O que me irrita é a mania de me irritar, sabendo que "se quero, faço" comgimo não funciona. Ou eu não quero de verdade, ou, se quero, é apenas pelo breve momento de sentir que aquilo me faz bem. Que morram os invejosos, porque deles é a falta de vontade de alcançarem o galho desejado.

17 julho 2007

no banco do passageiro.

O silêcio ensurdecedor da viagem me faz lembrar da época de quando eu era menor. Onde eu não podia ir no banco do passageiro porque ele já estava ocupado. Os cabelos um tanto ruins, que herdei também, eram volumosos, e o rosto, quase que reaproveitado da fôrma dos outros irmãos, era sempre sereno, exceto, claro, nos momentos de dor. A voz dela me acalmava, ao contrário da outra, que sempre me mandava calar. Calado, hoje ocupo o banco do passageiro, inventando mil formas de entreter meus sentidos nas viagens diárias da nossa vida. Saudades.

16 julho 2007

O vento.

O vento pode ser bom,
como aquele que refresca,
vindo do mar,
nos dias de brasa ardente.

O vento pode ser devasso,
como aquele que leventa,
sem desembaraço,
a saia da moça.

O vento pode ser triste,
como aquele,
úmido e frio,
que embala os enterros.

O vento pode ser alegre,
como aquele que levanta,
bem alto, lá no céu,
a pipa do menino.

O vento pode ser assustador,
como aquele que balaça a vidraça
e sussura um sussuro de morte.

O vento pode não existir,
como aquele que não circula
no coração do sertão brabo,
onde os vendavais mais parecem obra do diabo,
e nada além se faz.

15 julho 2007

La carta

Dejé la carta sobre tu mesa.
Dejé la carta cerca de tus libros
Una carta de amor,
para tu.

Escribí todos los sentimientos
libres en mi alma.
Con sangre escurrido de mi corazón,
escribí mi destino:
preso estoy a ti.

Solamente,
en los descampados del final del mundo,
frente la faceta de la muerte,
yo seré libre otra vez.
Hasta lá, yo seguiré te amando.
Hasta lá, cuando, adelante,
el amor quedar sin sentido.

08 julho 2007

a imagem mais preciosa.

tua beleza é luz para os meus sonhos escuros.
de lá te vejo eterna, radiante.
és pra mim meu porto seguro, meu norte,
estrela guia em noite escura.

liso negro são teus fios,
cabelo d'ouro negro e quente.
o perfume deles exalado,
é fruto de todas as rosas.

os olhos, brilho e esplendor para minh'alma,
servem de alento nos dias mais tristes da minha vida.
são força, desejo e amor.

dos sonhos escuros, tu és a imagem mais preciosa.
na noite, me deito na ânsia da noite acabar,
pro dia logo chegar, e mais uma vez, te ver.

"Olas" pra todos

o que mais gosto no estádio, num dia de jogo lotado, é a "ola". naquele momento, extinguem-se todas as diferenças de raça e credo, e todos viram uma única massa, num vai-e-vem fantástico, com o bramido de um monstro ensandecido, mostrando pra todo mundo que por um momento as coisas podem ser melhores e mais bonitas se todos se ajudassem. viva à beleza do futebol, da "ola" e do "comeu-morreu".

Cinemas, casais e outros tantos.

Se existe uma coisa que gosto na vida, com certeza é de estar dentro de uma sala de cinema. Eu não sou um especialista em cinema, nunca estudei o assunto e nem tenho tino crítico pra coisa alguma do ramo. Simplesmente gosto, no mais puro significado da palavra, de filmes. Uns me agradam, outros não, ponto. E uma das coisa que gosto, assim como Amelie, é ver o comportamento das pessoas dentro da sala: antes, durante e depois do filme. Choros, sorrisos, irritação, praguejos e lamentos em uma infinidade de situações. Junto delas, experimento das mais variadas sensações, e adoro. Ao final, saindo aos poucos, algumas sensações ficam na cadeira, outras vão comigo. Quando vou, gosto de ir só. É um lugar que me acalma. Nos momentos de espera, enquanto tocam aquelas músicas clássicas de não sei quem, reflito sobre todos os tormentos e angústias que me inquietam. Penoso é o sair só. Vendo todos aqueles casais, amigos e famílias juntos, penso, deprimido, como é bom ter alguém do lado pra sentir esse monte de coisas também. Chorar, sorrir, irritar-se, praguejar e lamentar abraçado, ou só sentado do lado, é bem melhor. E outra coisa: sair do cinema acompanhado, com sorriso besta na cara, não tem nada melhor.

pobre leiteiro

no mundo cão, quem morre, morre, que não morre, mata. ou de um jeito, ou de outro, mas mata. pena que quem morre são os leiteiros. quem devia morrer, de verdade, era a corja que usa paletó e fala engraçado, ludibriando o povo com conversa mole, pra boi dormir.

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Há pouco leite no país
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.

Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas,
seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.

Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro.
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto
Com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma pequena mercadoria.

E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.

Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este entrou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada.
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

Carlos Drumond de Andrade.